quinta-feira, 26 de maio de 2022

Ideias políticas aleatórias - sentimentos e visões de momento

 

Quanto na década de 80 eu, adolescente, ouvia que a minha geração era a televisiva, a geração coca-cola alienada, achava estranho, dado que havíamos nascido em pleno período militar, passávamos pelo período de transição (a chamada “abertura”), vivíamos clima intenso de euforia popular pela convocação da Assembleia Nacional Constituinte e “conquistávamos” pela norma artigo 14, §1º, II, c, da Constituição, o direito ao voto aos 16 anos. Essa mesma geração, posteriormente denominada “geração x”, ainda veria no Brasil articulações políticas incríveis em que chefes de grandes famílias oligárquicas disputavam com os socialistas (uns disfarçados de “centro”) os meandros do poder.

Julgava-me, pois, “o rei da cocada preta” político.

Me lembro o dia que o professor de História, defensor convicto do comunismo, Sr. David, arregimentou a turma do 3º ano para todos irmos ao TRE registrar o título que nos habilitaria a votar na eleição presidencial de 1989, em que Afif, Fernando e Luis, cada qual aparentemente representando uma vertente do quadro político, esfalfavam-se nos debates. A mídia, sempre capitaneada pela Globo, cacofonizava-se em defesa dos representantes das oligarquias (Neves, Sarney, Collor, Calheiros, etc.), não por convicção, mas pela oportunidade de garantir seus mercados e hegemonia, como ainda o faz agora, mas em favor de correntes que se autointitulam “progressistas”, mas isso é outro caso...

No mesmo ano de 1989 caía, finalmente, o muro de Berlim, ao fim da chamada cortina de ferro, pelas políticas da perestroika e Glasnost que simbolizavam, para nós, o reconhecimento do grande fracasso das doutrinas e experiências socialistas que, após aniquilarem centenas de milhões de vidas de opositores e até de apoiadores em nome do bem quimérico maior que seria o tal estado comunista (que, segundo seus defensores, nunca chegou a existir), permitiriam que o mundo evoluísse sobre o que era, e não sobre o que alguns teóricos oportunistas julgavam que deveria ser.

Era uma alegria e um alívio geral, pois, com isso, a chamada guerra fria, que poderia acabar com o mundo, ficaria arrefecida.

Ao som de Madonna, Xuxa (sim, ela emitia sons considerados musicais), Legião Urbana, Kid Abelha, Ultraje a Rigor, Lobão e os miquinhos amestrados, Titãs misturado com a MPB e os internacionais “dos temos de nossos pais”, vimos passar o auge do Michael Jackson, do Queen, do Cazuza... E cantávamos todos, dançando em passos ritmados (que nunca consegui fazer).

Nisso vimos a vida adulta chegando, mas não sem antes presenciar no Brasil a implantação do Plano Real – genial, considero – que afastou a inflação galopante e literalmente salvou o Brasil na época, diferentemente do que aconteceu com nossa vizinha Argentina, que, arrogante, dolarizou artificialmente sua economia apenas para invadir os melhores destinos turísticos do Brasil gastando como loucos seus “pesos-pesados”.

Não havia nenhum dentre nós que não nos considerássemos vitoriosos.

Os sonhos de estabilidade profissional para nós representavam a “evolução” dos sonhos profissionais de nossos pais, que almejavam ser admitidos numa grande empresa e ficarem lá até a aposentadoria ou de passar no Banco do Brasil, que garantia ótimos vencimentos. Para nós, entrar no setor público, que antes era considerado uma espécie de vergonha pelas gerações anteriores, passou a ser meta, dado o enorme degrau salarial que se formou entre a iniciativa privada e o setor público, sobretudo o federal, que se tornou um grande vertedouro de dinheiro de impostos. A dívida externa e o FMI, vilões da década de 70/80, viraram troco pela explosão da dívida interna...

Mas, como sempre ocorre com as gerações seguintes, ainda vivíamos os motes das gerações anteriores. Se meus pais achavam que bom era ser médico, advogado, engenheiro e professor (ou fazer o concurso endinheirado), claro que queríamos seguir suas orientações. Se eles lutaram contra “o regime opressor”, claro que também seríamos soldados “armados ou não”.

Isso nos bastava e justificava. Não éramos os “supra-sumo”?

Mas um dia a gente acorda. O pedestal fica pequeno e caímos.

Se tínhamos tudo, por que a vida ainda era tão difícil? Veja só: até elegemos um cara sindicalista, que um dia chegou a roubar-me o primeiro voto? Isso não deveria fazer sentido?

Comunismo? Socialismo? Essas ideias não haviam morrido por demérito de insustentabilidade de si próprias?

É que o mundo girava enquanto a geração x, no alto de sua soberba, julgava-se acima do bem e do mal, caindo nas teias do grande teatro...

Lá fora, e também aqui dentro, as viúvas do regime que teve auge em Stalin e Mao, articulavam e perquiriam sobre o que fazer com os milhões de órfãos do unicórnio, que cantavam “ideologia, quero uma pra viver”, pois “minha piscina está cheia de ratos”. E escarafunchando de Paris a Frankfurt, de Roma a São Paulo, localizaram ideias que eram filhas do unicórnio e que também buscavam seus fins, mas por meios, digamos, mais discretos. Era a volta do lobo, com pelagem menos assustadoras. Era a chegada do lupino paz e amor.

Finalmente! – dizíamos. Era isso que queríamos: pernas no capitalismo e um “olho no social”. A reencarnação dos mencheviques (ainda que formados por bolcheviques disfarçados) era a solução para o necessário “equilíbrio social”. E engolimos isso desde que um de seus representantes apresentou-nos o plano real, ficando oito anos com o poder do executivo. O achávamos um gentlement quando, perdendo seu partido para “o opositor” nas eleições, abriu largo sorriso e fez de tudo para que o “oponente” fosse recebido com o mesmo tapete mais que vermelho, inclusive – vejam só – abrindo um “gabinete de transição” com prédios públicos dedicados e tudo mais! Foi a mais célebre partida de pingue-pongue da história do Brasil! Um xingava o outro em público, e se abraçavam nos bastidores.

As ideias do “Estado provedor” e “presidente pai” se fortaleceram.

Fala-se em distribuição da renda, como se o Estado fosse uma grande vaca produtora que distribui por suas tetas fartas. Os empresários e empreendedores passaram a ser considerados os que mamam mais e, por consequência, os que secam o leite dos pobres. É a tal ridícula ideia do “soma zero”. “Acabe com os ricos que nas tetas remanescentes sobrará leite em abundância”, acreditam.

E quando a turma do meio, a chamada classe média, sentiu que isso não era a verdade, rapidamente a articulação os taxou de burros, desumanos e impiedosos, conclamando-os para que se posicionem contra o empresariado burguês capitalista! E classe média, sagaz, silenciosamente foi introduzindo seus filhos nas universidades públicas e no serviço público, afinal: se não pode vencê-los, junte-se a eles...

E essa turma, para o mal dos azares, tanta facilidade teve que acreditou mesmo que isso seria eterno e sustentável, apoiando o lobo ao invés das ovelhas, crendo-se protegida. Mas espere só os mencheviques de ocasião voltarem a se mostrar como bolcheviques... Ai dos social-democratas engomadinhos!

Aqui os “grandes feitos” prenunciados como nunca antes na história desse país revelaram-se nada que ganhos simulados e gastos irresponsáveis, principalmente em território estrangeiro. Não demorou para a sucessora final do regime, bode expiatório, herdasse as consequências e levasse o país à grave recessão. O impeachment, apoiado pelo próprio manipulador da marionete, foi apenas um golpe de misericórdia. Curiosamente ele próprio (o manipulador) depois, asseverou tratar-se de “golpe”, mas uma vez tentando lucrar fazendo-se de vítima da desdita por ele mesmo iniciada.

Custamos a perceber. Mas, uma a um, vamos percebendo. E quanto mais percebemos, mais notamos como eles entranharam suas garras e projetaram suas metástases, a ponto de Ministros da Suprema Corte, que não são eleitos, mas nomeados, irem a público e dizer que somos nós (progressista) contra eles (conservadores).

E ai de quem fale uma vírgula contra. Ideias inaceitáveis são fakenews! Prendam-nos ou sufoquem-nos economicamente ou injuriosamente!

E quanto a natureza (será que é mesmo a natureza?) traz um perigo coletivo, estatisticamente diminuto, mas assustador para a individualidade, isso foi visto como oportunidade de reunir ovelhas estremecidas. Dividir para conquistar era estratégia romana, mas foi adotada como base marxista! Logo se ouviu: a culpa é deles, dos não progressistas, diziam. São terraplanistas, negacionistas, genocidas! Salve-se quem puder! Fiquem em casa! Denuncie seu vizinho que se reuniu com a família! Herege! Nós somos os bons! Nós somos os salvadores da pátria!

E em meio a tudo isso, e vendo a genialidade de toda essa manipulação, aqueles mesmos oligarcarcas, vívidos e oportunistas, vão novamente arregimentando suas articulações e pactos. Ei-los na CPI, no impeachment, nos sussurros do parlamento, nas falas bipolares da família Gomes, no senado e na câmara aplaudindo a execração, por um Ministro nomeado pelo representante da oligarquia, do Deputado que falou mais do que devia (mas não mais do que podia) quando um de seus eleitores, militar, foi assassinado em serviço por facções criminosas que se beneficiaram de uma ordem emitida de um Ministro da Suprema Corte. Também vemos os alpinistas políticos, que à exemplo de peixes piloto em tubarões, vão os acompanhando na esperança de lhes sobrar um NOVO pedaço de alimento. São lobos solitários, que vociferam para o público que julgam mais fraco, traindo e sendo traídos, dada sua condição autofágica.

Ambas são forças políticas enormes, mas moralmente desprezíveis.

Nunca os vi tremer como agora, mas tremo também.

É a nossa grande chance, mas está precária.

Nunca entendemos tão bem o conceito de liberdade. 

Por exemplo: mesmo que não gostemos de armas, defendemos o direito de escolha do indivíduo naquilo que não prejudica a outro indivíduo, torcendo para que ele faça uma escolha saudável para si e para sua família, conforme o seu entendimento. A ideia de que o Estado ou a coletividade deva nos dizer como conduzir nossas vidas assemelha-se, ao despertos, à escravidão institucionalizada. Causa-nos tristeza ver os modismos “politicamente corretos” conduzir jovens a atitudes reprocháveis e incompatíveis com o seu psiquismo, inclusive sexuais, tornando-os tolos rebeldes revolucionários que destroem tudo, começando por si próprios, passando por suas famílias e chegando na sociedade.

Queremos ver o dinheiro público financiar oportunidades indistintas que serão acatadas pelos que realmente quiserem parar de vitimar-se e agarrar no estudo e no trabalho.

Queremos ver os indivíduos como irmãos que têm oportunidades de evoluir a partir do ponto que seus antepassados lhes propiciaram, colhendo os frutos de seu esforço ou as consequências de sua falta de esforço.

Entendemos que a igualdade perante Deus e a lei humana são as possíveis, de modo que a natural desigualdade nas condições de vida dos indivíduos se minimize pelo esforço de cada um pelo bem comum, sem a verticalização forçada e injusta por um Estado gerido por figuras autoritárias e que se atribuem a condição de superiores em verdade e da virtude, sem qualquer conquista real para tanto.

Queremos, sim, que os que façam boas escolhas sejam situados como exemplos a seguir e aqueles que não façam sejma expostos como maus exemplos e não como "vítimas da sociedade".

Queremos, enfim, que a vida seja vivida como ela é, sem paternalismos, coletivismos, ideias preconcebidas e homogenizadoras alheias ao que está dentro de cada um. Queremos apenas liberdade para viver, para amar e evoluir naturalmente, modificando de modo legítimo, de dentro para fora, o que merece ser modificado e conservando o que é digno de conservar-se!

A geração X despertou, mas ergue-se aos poucos.

Ronaldo Jung

quinta-feira, 13 de novembro de 2014

FOMOS AO SUL!



Contrariando tendências “mineirísticas” que normalmente nos impelem para o litoral nordestino, decidimos finalmente, ainda no início deste ano, visitar as famosas cidades de Gramado e Canela, no Rio Grande do Sul.
Poupança específica para tal fim desde o ano passado, milhas de cartão de crédito oportunamente convertidas em passagens aéreas, planejamentos, escolha do hotel, compra de ingressos do “Natal Luz”, aluguel de carro, lá fomos nós: esposinha amada e os dois petizes serelepes.
O ano foi realmente puxado. Estávamos desgastados em todos os sentidos. O clima para nossa família por aqui, em Minas Gerais, esteve (e está) bem difícil. E quando falo “clima” não excluo nada. Do ponto de vista ecológico, calor, secura e poluição de sobra. Rinite, sinusite e todos os tipos de “ites”, que constituem sufixos de nomes de doenças inflamatórias do pescoço para cima, disseram “presente” na chamada.
Do ponto de vista profissional, labor extenuante e ininterrupto, muitas horas por dia e por noite, coisa típica de classe média burguesa, elite branca, pagadora de impostos, trabalhadora do setor privado. Talvez não precisasse de tantas horas de trabalho, caso a sociedade, por aqui, fosse mais servil, educada, e primasse mais pelo semelhante. Mas seara, ah... há muita. Mas ceifeiros, que é bom...
Do ponto de vista social, aí piorou. Não que tenha vida social tão intensa assim, afinal de contas, convivência gasta tempo de trabalho e tempo de dedicação à família, sobretudo aos filhotes. Quando muito, uns recadinhos de facebook como este, no final do expediente e muitos pedidos de desculpas aos amigos do coração pela ausência.
Para agravar, a copa do mundo e as eleições tomaram de chofre este espaço cibernético, que virou espécie de fonte geradora de nuvens negras de antipatia e intolerância. Pena. Vejo esta rede social como uma revivescência dos fóruns da antiguidade, em que os cidadãos defendiam publicamente suas ideias, embora também sujeitos a pedradas.
Não posso me furtar em mencionar, ainda na lista de itens desgastantes, a decepção pela “vitória” eleitoral do partido da situação (ainda não consigo dizer nem o nome dele), sobretudo considerando que algumas previsões péssimas já começaram a se concretizar, nem bem o “defunto” das urnas esfriou.
Mas deixemos para lá. Somente mencionei tudo isto – embora tenha omitido caridosamente outros senões - para situar melhor a palavra “desgaste” que usei.
E lá fomos para o sul. 
Tudo bem: Gramado e Canela são cidades integralmente voltadas ao turismo, de modo que não deveriam servir como referencial de normalidade, de modo a se tornar paradigmas ao modo mineiro de viver...
Mas vou engolir meu orgulho mineiro e contar para vocês sobre o Rio Grande do Sul de meus olhos.
Chegando a Porto Alegre, após uso de dois aviões de Confins a Guarulhos, e depois para a capital rio-grandense-do-sul, qual a surpresa ao vermos, desde logo, a eficiência e o empenho de empregados do aeroporto e da empresa de locação de carros, em pleno domingo, por melhor servirem. No olhar deles estava estampado: "Bem vindo! Que bom que você escolheu nossa terra!". Após as burocracias de praxe, logo estávamos no veículo rumo ao nosso sonhado destino. E não é que o termo “sonhado” foi muito próprio?  Logo na saída do aeroporto já vimos um V.L.T., que deu clima futurista à cidade. Noutra ponta o metrô, se integrando ao aeroporto. Show. Mas num piscar de olhos já estávamos noutra cidade, e noutra, e noutra. As cidades lá são curtinhas, “pertinhas”. O verde logo surgiu. E que vegetação mais bacana! Pinheiro, em Minas Gerais, só costuma aparecer no Natal, mas lá é tão abundante quanto mato. A propósito, mato lá, tem outro nome: Hortências! Nunca vi tantas assim, a maioria na beira das estradas (também tinha um monte de radares sem indicação da velocidade da via por perto, mas só quero falar das coisas boas agora). Para ilustrar mais ainda o clima de território de Elfos no Senhor dos Anéis, veio a neblina. Quase vimos gnomos entre as árvores... Pelo menos meus filhinhos disseram ter visto! E assim fomos, e chegamos às cidades mais Natalinas do país (e que fartura de papais noéis e decorações de Natal!). Não vou falar das atrações turísticas e artísticas de lá - que nos consumiram fácil os nove dias de permanência e os recursos financeiros amealhados e alguns a amealhar. Todas são lindas, imperdíveis, próprias para pessoas de todas as idades.
Vou falar, agora, de outras coisas.
Nunca vi, fora destas cidades e nas que as rodeiam, construções tão bem feitas. Os telhados lá são simplesmente perfeitos, sem exceções. Alguns devem logo estar pensando:
- Mas lá não é local de riqueza?
Daí, respondo: bem, vimos muitas mansões por lá, mas vimos também casinhas simples, de madeira e telhas de amianto. A única coisa que não vimos foi feiura. Todas as casas, por mais simples, sempre eram bem cuidadas, quase todas com muitas flores, denunciando o gosto e o empenho dos moradores.
Em todos os locais e cidades que fomos, encontramos trabalhadores (famílias inteiras de trabalhadores!). Educação e linguagem primorosas, muitos deles bilíngues em italiano e alemão em vista das tradições culturais familiares. Muitos ofícios - como a arte em madeira, couro, vidros/cristais, vinhas, danças, turismo - também são passados de pais para filhos (que se educam com o esforço dos pais e aperfeiçoam as técnicas com o estudo de novas tecnologias).
Algo digno de nota, além e regionalismos muito pitorescos, como o uso sistemático de “daí” no final das frases, além dos conhecidíssimos “Bah”, “Tchê” e “Tri”, é a postura dos membros daquela sociedade.
Eles não nos olham como piores ou melhores. Olham como iguais. Diferentemente do que vi em outras regiões, em que os trabalhadores (inclusive de locais turísticos) nos olham com certa inveja, até com postura ora dominadora (territorialista), ora subserviente, lá no sul as pessoas se olham como iguais. O trabalhador de lá reconhece que você é o trabalhador daqui que está em férias e prestigiando a terra de lá. Sente-se honrado com isso. Lá, o gerente do hotel não se sente menor se, de repente, tenha que limpar o chão em vista de um descuido do hóspede ou tenha que carregar uma mala alheia. Limpar o chão e carregar malas são atividades tão dignas, por lá, quanto gerenciar o hotel. Ninguém mede contracheques. Cada um valoriza suas próprias conquistas e vive feliz por tê-las. Quem quer mais, estuda mais, trabalha mais, e pronto! Não vi pichações. Vi um pai, motorista da van da empresa de turismo, pedir emprego para seu filho em outra agência, fazendo questão de destacar os pontos negativos de sua cria, não obstante mencionar também seus valores já conquistados. Foi honesto, como parece ser regra por lá.
A exemplo: perdemos um iPhone no restaurante, só nos demos conta no dia seguinte. Adivinhem? Estava lá intacto, esperando o dono junto ao caixa do estabelecimento. Outro: vimos uma moeda de um real no chão ao chegarmos numa das atrações populosas de lá de nome “Minimundo”. Ficamos lá em visitação por cerca de uma hora. Quando saímos, lá estava a moeda, quietinha, no mesmo local, esperando o dono que talvez nunca a buscasse. Oh! Como é boa a cultura da conquista! Se não é meu, se não conquistei: não pego!
E nas ruas? O pedestre busca a faixa própria e lá chegando, se a via é local ou coletora, todos motoristas param, sem cara feia, pelo tempo que for necessário, para que ele passe! Nas vias arteriais há semáforos belo localizados, retornos em pontos estratégicos e faixas próprias nas regiões de maior circulação.
O estacionamento, no centro de Gramado, é muito legal. Lá as vagas são pintadas na rua, e nos espaços que não cabe um carro inteiro, perto das esquinas, fazem vagas para motos. Nas esquinas há parquímetros e cada moeda de um real depositada garante quarenta minutos de estacionamento. Se for parar só por dez minutos, não precisa pagar, é tolerância. Muito inteligente o sistema.
E a pontualidade, então? Tudo lá é previsto, pré-avisado e ocorre precisamente nos horários, sem atrasos ou adiantamentos. Diferentemente daqui, lá os pontuais são valorizados e premiados, e não punidos com os tempos de castigo de 15/20 minutos que, aqui, chamamos de “tolerância”.
Bem, o texto está ficando longo demais. Infelizmente, pois tenho vários adjetivos dos bons aqui na lembrança que gostaria de relatar, mas apenas quis inspirar a aventura de cada um pelas próprias descobertas.
Para finalizar, não posso deixar de destacar um fato que nos tocou fundamente o coração. Em 1989, quando estudava do Instituto Izabela Hendrix, em Belo Horizonte, tive por colega de turma uma gaúcha, de nome Renata Ferreira, a quem nos afinamos por laços de amizade espontânea. Infelizmente o pai dela faleceu subitamente por problemas cardíacos, o que gerou enorme transtorno para a mãe, que, sozinha com dois filhos, teve que buscar o amparo da família na terra natal. Fora esta época, apenas a vi uma segunda vez, coisa de quatro anos depois, numa brevíssima estada dela por aqui. Oxalá existe este tal facebook, que permitiu encontro virtual após tanto tempo. Tentamos reunir nossas famílias por lá, já que temos dois filhinhos cada qual, mas foram vários impedimentos. Trocando “zapzap” disse horário da partida no aeroporto e, para nossa agradável surpresa, lá estava ela, juntamente com seu marido Paulo (fraterno e simpaticíssimo, destaco) com um sorriso enorme mesclado com ligeira preocupação, já que nós, mineiros, estávamos atrasados em relação ao horário do voo! Que alegria, foram pouco mais de quinze minutos, mas, neles, este casal amigo conseguiu sintetizar todas as qualidades que mencionei em relação a esta terra: se esforçaram para nos encontrar, nos abraçaram como irmãos, presentearam nossos filhos e a nós com objetos carinhosamente feitos por eles, ajudaram a carregar e a despachar nossas malas, colocaram a casa e a terra deles à nossa disposição, mostraram as fotos do casal de lindíssimos filhos - que apenas não foram lá pelo horário escolar -, não se agastaram pelos nossos atropelos e despreparo social por também não retribuirmos tantas gentilezas.
Confessamos que deixamos pedaços nossos corações por lá. Certamente iremos buscá-los ou, quem sabe, levar para lá outros pedaços.
Obrigado, Rio Grande do Sul e seu povo grandioso!
Está no cultivo de sua cultura a esperança deste país!
Foram dez dias “trilegais” e inesquecíveis “daí”!