quinta-feira, 13 de novembro de 2014

FOMOS AO SUL!



Contrariando tendências “mineirísticas” que normalmente nos impelem para o litoral nordestino, decidimos finalmente, ainda no início deste ano, visitar as famosas cidades de Gramado e Canela, no Rio Grande do Sul.
Poupança específica para tal fim desde o ano passado, milhas de cartão de crédito oportunamente convertidas em passagens aéreas, planejamentos, escolha do hotel, compra de ingressos do “Natal Luz”, aluguel de carro, lá fomos nós: esposinha amada e os dois petizes serelepes.
O ano foi realmente puxado. Estávamos desgastados em todos os sentidos. O clima para nossa família por aqui, em Minas Gerais, esteve (e está) bem difícil. E quando falo “clima” não excluo nada. Do ponto de vista ecológico, calor, secura e poluição de sobra. Rinite, sinusite e todos os tipos de “ites”, que constituem sufixos de nomes de doenças inflamatórias do pescoço para cima, disseram “presente” na chamada.
Do ponto de vista profissional, labor extenuante e ininterrupto, muitas horas por dia e por noite, coisa típica de classe média burguesa, elite branca, pagadora de impostos, trabalhadora do setor privado. Talvez não precisasse de tantas horas de trabalho, caso a sociedade, por aqui, fosse mais servil, educada, e primasse mais pelo semelhante. Mas seara, ah... há muita. Mas ceifeiros, que é bom...
Do ponto de vista social, aí piorou. Não que tenha vida social tão intensa assim, afinal de contas, convivência gasta tempo de trabalho e tempo de dedicação à família, sobretudo aos filhotes. Quando muito, uns recadinhos de facebook como este, no final do expediente e muitos pedidos de desculpas aos amigos do coração pela ausência.
Para agravar, a copa do mundo e as eleições tomaram de chofre este espaço cibernético, que virou espécie de fonte geradora de nuvens negras de antipatia e intolerância. Pena. Vejo esta rede social como uma revivescência dos fóruns da antiguidade, em que os cidadãos defendiam publicamente suas ideias, embora também sujeitos a pedradas.
Não posso me furtar em mencionar, ainda na lista de itens desgastantes, a decepção pela “vitória” eleitoral do partido da situação (ainda não consigo dizer nem o nome dele), sobretudo considerando que algumas previsões péssimas já começaram a se concretizar, nem bem o “defunto” das urnas esfriou.
Mas deixemos para lá. Somente mencionei tudo isto – embora tenha omitido caridosamente outros senões - para situar melhor a palavra “desgaste” que usei.
E lá fomos para o sul. 
Tudo bem: Gramado e Canela são cidades integralmente voltadas ao turismo, de modo que não deveriam servir como referencial de normalidade, de modo a se tornar paradigmas ao modo mineiro de viver...
Mas vou engolir meu orgulho mineiro e contar para vocês sobre o Rio Grande do Sul de meus olhos.
Chegando a Porto Alegre, após uso de dois aviões de Confins a Guarulhos, e depois para a capital rio-grandense-do-sul, qual a surpresa ao vermos, desde logo, a eficiência e o empenho de empregados do aeroporto e da empresa de locação de carros, em pleno domingo, por melhor servirem. No olhar deles estava estampado: "Bem vindo! Que bom que você escolheu nossa terra!". Após as burocracias de praxe, logo estávamos no veículo rumo ao nosso sonhado destino. E não é que o termo “sonhado” foi muito próprio?  Logo na saída do aeroporto já vimos um V.L.T., que deu clima futurista à cidade. Noutra ponta o metrô, se integrando ao aeroporto. Show. Mas num piscar de olhos já estávamos noutra cidade, e noutra, e noutra. As cidades lá são curtinhas, “pertinhas”. O verde logo surgiu. E que vegetação mais bacana! Pinheiro, em Minas Gerais, só costuma aparecer no Natal, mas lá é tão abundante quanto mato. A propósito, mato lá, tem outro nome: Hortências! Nunca vi tantas assim, a maioria na beira das estradas (também tinha um monte de radares sem indicação da velocidade da via por perto, mas só quero falar das coisas boas agora). Para ilustrar mais ainda o clima de território de Elfos no Senhor dos Anéis, veio a neblina. Quase vimos gnomos entre as árvores... Pelo menos meus filhinhos disseram ter visto! E assim fomos, e chegamos às cidades mais Natalinas do país (e que fartura de papais noéis e decorações de Natal!). Não vou falar das atrações turísticas e artísticas de lá - que nos consumiram fácil os nove dias de permanência e os recursos financeiros amealhados e alguns a amealhar. Todas são lindas, imperdíveis, próprias para pessoas de todas as idades.
Vou falar, agora, de outras coisas.
Nunca vi, fora destas cidades e nas que as rodeiam, construções tão bem feitas. Os telhados lá são simplesmente perfeitos, sem exceções. Alguns devem logo estar pensando:
- Mas lá não é local de riqueza?
Daí, respondo: bem, vimos muitas mansões por lá, mas vimos também casinhas simples, de madeira e telhas de amianto. A única coisa que não vimos foi feiura. Todas as casas, por mais simples, sempre eram bem cuidadas, quase todas com muitas flores, denunciando o gosto e o empenho dos moradores.
Em todos os locais e cidades que fomos, encontramos trabalhadores (famílias inteiras de trabalhadores!). Educação e linguagem primorosas, muitos deles bilíngues em italiano e alemão em vista das tradições culturais familiares. Muitos ofícios - como a arte em madeira, couro, vidros/cristais, vinhas, danças, turismo - também são passados de pais para filhos (que se educam com o esforço dos pais e aperfeiçoam as técnicas com o estudo de novas tecnologias).
Algo digno de nota, além e regionalismos muito pitorescos, como o uso sistemático de “daí” no final das frases, além dos conhecidíssimos “Bah”, “Tchê” e “Tri”, é a postura dos membros daquela sociedade.
Eles não nos olham como piores ou melhores. Olham como iguais. Diferentemente do que vi em outras regiões, em que os trabalhadores (inclusive de locais turísticos) nos olham com certa inveja, até com postura ora dominadora (territorialista), ora subserviente, lá no sul as pessoas se olham como iguais. O trabalhador de lá reconhece que você é o trabalhador daqui que está em férias e prestigiando a terra de lá. Sente-se honrado com isso. Lá, o gerente do hotel não se sente menor se, de repente, tenha que limpar o chão em vista de um descuido do hóspede ou tenha que carregar uma mala alheia. Limpar o chão e carregar malas são atividades tão dignas, por lá, quanto gerenciar o hotel. Ninguém mede contracheques. Cada um valoriza suas próprias conquistas e vive feliz por tê-las. Quem quer mais, estuda mais, trabalha mais, e pronto! Não vi pichações. Vi um pai, motorista da van da empresa de turismo, pedir emprego para seu filho em outra agência, fazendo questão de destacar os pontos negativos de sua cria, não obstante mencionar também seus valores já conquistados. Foi honesto, como parece ser regra por lá.
A exemplo: perdemos um iPhone no restaurante, só nos demos conta no dia seguinte. Adivinhem? Estava lá intacto, esperando o dono junto ao caixa do estabelecimento. Outro: vimos uma moeda de um real no chão ao chegarmos numa das atrações populosas de lá de nome “Minimundo”. Ficamos lá em visitação por cerca de uma hora. Quando saímos, lá estava a moeda, quietinha, no mesmo local, esperando o dono que talvez nunca a buscasse. Oh! Como é boa a cultura da conquista! Se não é meu, se não conquistei: não pego!
E nas ruas? O pedestre busca a faixa própria e lá chegando, se a via é local ou coletora, todos motoristas param, sem cara feia, pelo tempo que for necessário, para que ele passe! Nas vias arteriais há semáforos belo localizados, retornos em pontos estratégicos e faixas próprias nas regiões de maior circulação.
O estacionamento, no centro de Gramado, é muito legal. Lá as vagas são pintadas na rua, e nos espaços que não cabe um carro inteiro, perto das esquinas, fazem vagas para motos. Nas esquinas há parquímetros e cada moeda de um real depositada garante quarenta minutos de estacionamento. Se for parar só por dez minutos, não precisa pagar, é tolerância. Muito inteligente o sistema.
E a pontualidade, então? Tudo lá é previsto, pré-avisado e ocorre precisamente nos horários, sem atrasos ou adiantamentos. Diferentemente daqui, lá os pontuais são valorizados e premiados, e não punidos com os tempos de castigo de 15/20 minutos que, aqui, chamamos de “tolerância”.
Bem, o texto está ficando longo demais. Infelizmente, pois tenho vários adjetivos dos bons aqui na lembrança que gostaria de relatar, mas apenas quis inspirar a aventura de cada um pelas próprias descobertas.
Para finalizar, não posso deixar de destacar um fato que nos tocou fundamente o coração. Em 1989, quando estudava do Instituto Izabela Hendrix, em Belo Horizonte, tive por colega de turma uma gaúcha, de nome Renata Ferreira, a quem nos afinamos por laços de amizade espontânea. Infelizmente o pai dela faleceu subitamente por problemas cardíacos, o que gerou enorme transtorno para a mãe, que, sozinha com dois filhos, teve que buscar o amparo da família na terra natal. Fora esta época, apenas a vi uma segunda vez, coisa de quatro anos depois, numa brevíssima estada dela por aqui. Oxalá existe este tal facebook, que permitiu encontro virtual após tanto tempo. Tentamos reunir nossas famílias por lá, já que temos dois filhinhos cada qual, mas foram vários impedimentos. Trocando “zapzap” disse horário da partida no aeroporto e, para nossa agradável surpresa, lá estava ela, juntamente com seu marido Paulo (fraterno e simpaticíssimo, destaco) com um sorriso enorme mesclado com ligeira preocupação, já que nós, mineiros, estávamos atrasados em relação ao horário do voo! Que alegria, foram pouco mais de quinze minutos, mas, neles, este casal amigo conseguiu sintetizar todas as qualidades que mencionei em relação a esta terra: se esforçaram para nos encontrar, nos abraçaram como irmãos, presentearam nossos filhos e a nós com objetos carinhosamente feitos por eles, ajudaram a carregar e a despachar nossas malas, colocaram a casa e a terra deles à nossa disposição, mostraram as fotos do casal de lindíssimos filhos - que apenas não foram lá pelo horário escolar -, não se agastaram pelos nossos atropelos e despreparo social por também não retribuirmos tantas gentilezas.
Confessamos que deixamos pedaços nossos corações por lá. Certamente iremos buscá-los ou, quem sabe, levar para lá outros pedaços.
Obrigado, Rio Grande do Sul e seu povo grandioso!
Está no cultivo de sua cultura a esperança deste país!
Foram dez dias “trilegais” e inesquecíveis “daí”!


6 comentários:

  1. Parabéns Ronald Jung (preferia-o "Freud"). Como você escreve bem e de forma agradável que a gente começa a ler e não para. Você - não obstante advogado - "prende" a atenção da gente. Sua descrição do que viu, sentiu e vivenciou é marcante, elucidante e nos faz participar. Vou querer seguir seu blog, desde que você escreva mais. Na azáfama do dia a dia de nosso trabalho não captamos a riqueza em volta ou em nossos colegas. Parabéns.
    Mário Cleber

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    1. Obrigado, amigo Mário Cleber. Escrever, para mim, é tarefa gratificante, "desabafante" e instigante. Infelizmente a vida urbana impede o necessário ócio criativo que permite visão mais dilatada. Vou me esforçar mais para manter este espaço, OK? Abraço!

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  2. Queridos amigos, BAH, fiquei realmente emocionada com tudo isso...amizade é uma coisa que a distância não destrói, e mesmo em poucos minutos foi muito bom estar na presença de vocês...como recordar bons tempos....Muito TRI! Esse foi meu maior presente e espero realmente que vocês retornem, e, quem sabe, para sempre!(preferencialmente como meus vizinhos!rsrsrs) Ficarão me devendo uma nova visita e uma roda de chimarrão! Bah! neste sábado chimarrão será necessário...fará 10 graus aqui e na serra 4 graus...rsrsrs...(o único inconveniente..FRIO sem hora para chegar!)

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    1. Ah. gente! Como é fácil sensibilizar um coração já tão acostumado com o bem, com o belo e com o bom. Depois me mande um zapzap com seu endereço de e-mail e endereço físico, OK? Já combinei com a esposa de fazermos uma viagem de carro, com parada em Campo Largo, PR, na casa da prima dela, em Camboriú e adjacências e com chegada aí no seu quintal (risos).

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  3. Legal demais o texto e também poder ter viajado entre as linhas das letras e imaginação.
    Show de bola!

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    1. Grande Rafa! Estou tentando fazer com as letras o que você faz com a câmera. Tarefa difícil, mas chego lá. Sua turminha iria adorar esta viagem. Posso garantir que pessoalmente é melhor. Agradeço o carinho e o esforço de elogiar, considerando a foto uniformizada que ilustra o texto (risos).

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